Extensão Popular:cores, sentidos e jeitos de fazer

Pretende-se consolidar o compartilhar de experiências aqui na Articulação Nacional de Extensão Popular e incentivar todos e todas a sistematizar suas práticas e dispô-las a discussão, ao re-meximento que engrandece, que traz reflexões, que traz cutucações, que traz coerências, incoerências; tudo na perspectiva de contribuir para fortalecer um e outro, uma e outra, todos nós e a extensão popular em conjunto.

sexta-feira, novembro 10

Começando...

Um dos principais objetivos de nossa Articulação reside justamente no compartilhar de experiências, dificuldades, problemas, resultados, caminhos, luzes e cores que nos tragam reflexões e aprendizados capazes de re-orientar nossas práticas de extensão popular, no sentido de seu fortalecimento político e pedagógico, assim como fornecendo bases e/ou estímulos para que companheiros/as de instituições pelo Brasil possam adentrar por estes caminhos e experimentar o jeito e a busca pela educação popular.

Estou lendo um livro ótimo ("Para sistematizar experiências", de Oscar Jara Holliday), onde se fazem reflexões sobre a importância de se extrair ensinamentos das práticas de educação popular e compartilhá-los. Segundo ele, "qualquer prática social transformadora tem intenções, apostas, desenvolvimentos e resultados que definitivamente servem de inspiração, iluminação ou advertência a outras práticas semelhantes. Os grandes propóstiso dessas experiências são geralmente confluentes ou, pelo menos, não antagônicos. Extrair os ensinamentos da própria experiência, para compartilhá-los com outros, deveria ser sempre uma linha de trabalho priorizada entre nós que fazemos educação e animação popular."

Continua: "da mesma maneira que, inversamente, estar atentos para conhecer e aprender da experiência de outros deveria ser uma atitude permanente dos que crêem não possuir verdades definitivas e nem estar pondo em marcha práticas perfeitas. (...). Cria - para os atores destas práticas - um novo ponto de partida que, sendo agora comum e coletivo, pode chegar a propor perguntas de um grau de compelxidade maior, d eum nível mais profundo de abstração, onde as confluências e diferenças entre as práticas individuais tomam um novo sentido e adquirem um valor explicativo mais relevante".

É com esta explicação que pretendemos retomar o compartilhar de experiências aqui na Rede e incentivar todos e todas aqui a sistematizar suas práticas e dispô-las a discussão, ao re-meximento que engrandece, que traz reflexões, que traz cutucações, que traz coerências, incoerências; tudo na perspectiva de contribuir para fortalecer um e outro, uma e outra, todos nós e a extensão popular em conjunto.

Começamos com uma experiência da qual participo, aqui na UFPB. Murilo, eu, Flora, Vinicius e Zique coordenados o Blog. Esperamos envio de contribuições.

Que comece a viagem!

Curso Comunitário de Saúde: formando atores na construção do controle social - UFPB

Curso Comunitário de Saúde: formando atores na construção do controle social


Área temática:
Saúde.

Autores:
Meirhuska Mariz Meira, acadêmica de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.
meirhuska@yahoo.com.br
Michelly Bezerra dos Santos, acadêmica de Fisioterapia da Universidade Federal da Paraíba.
chelly_fisio@yahoo.com.br
Pedro José Santos Carneiro Cruz, acadêmico de Nutrição da Universidade Federal da Paraíba.
pedrojosecruzpb@yahoo.com.br
Wilton Wilney Nascimento Padilha, professor titular do Departamento de Clínica e Odontologia Social da Universidade Federal da Paraíba, doutor em Clínica Integrada pela USP-SP e Coordenador do Programa de Extensão Proman - UFPB.
wilpad@terra.com.br

Instituição:
Universidade Federal da Paraíba
Programa Ação Interdisciplinar para Desenvolvimento Social e Atenção à Saúde na Comunidade Maria de Nazaré – PROMAN.
Projeto Educação Popular e Atenção à Saúde da Família (http://proman-ufpb.blogspot.com/).

Palavras-chave:
educação popular; controle social em saúde; participação popular.

RESUMO:

O Curso de Saúde é desenvolvido na Comunidade Maria de Nazaré em João Pessoa, numa parceria entre a Associação Comunitária e a UFPB, veiculada pelo pilar da extensão através do programa Ação Interdisciplinar para Desenvolvimento Social e Atenção à Saúde na Comunidade (PROMAN). Tem como objetivo propiciar discussão junto aos membros da Comissão de Saúde local, rumo à construção de conceitos em saúde; contribuindo para amadurecimento da responsabilidade social dos estudantes participantes e possibilitando consolidar o controle social em saúde na Comunidade. Orientando sua metodologia na educação popular, este curso formou um espaço de aprofundamento sobre saberes inerentes à saúde, cidadania e luta social. Utilizaram-se estratégias pedagógicas como palestras, rodas dialogadas de conversa, dinâmicas para compartilhar de experiências, leitura de textos e discussões por meio de produções artísticas. Toda a pauta teórica foi disposta de maneira problematizada, valorizando o saber individual, de forma a enriquecer a vivência de cada participante. Aprendizados importantes vieram com a participação de profissionais de saúde locais e diante das dificuldades existentes na relação dos moradores com o funcionamento do PSF; pôde-se pautar a perspectiva do usuário, da gestão e dos profissionais sobre as dificuldades e possibilidades no serviço de saúde. Esta atividade contribuiu para ampliação da capacidade de mobilização e participação nos eventos de controle social, através da aglutinação e capacitação dos militantes locais, com pensamentos distintos capazes de construir a participação popular. Uma comunidade que se integra adquire consciência de sua capacidade, vislumbrando de maneira coletiva a resolução de problemas que atingem a todos.


Introdução e objetivos


O presente artigo tem como objetivo apresentar e discutir o Curso de Saúde desenvolvido na Comunidade Maria de Nazaré, em João Pessoa – PB, numa parceria entre a Associação Comunitária Maria de Nazaré (ACOMAN) e a Universidade Federal da Paraíba (UFPB), veiculada pelo pilar da extensão universitária, através do Programa Ação Interdisciplinar para Desenvolvimento Social e Atenção à Saúde na Comunidade Maria de Nazaré (PROMAN).
O programa constitui uma iniciativa que reúne quatro projetos de extensão universitária vinculados a esta Comunidade: Educação Popular e Atenção à Saúde da Família, Fisioterapia na Comunidade, Para Além da Psicologia Clínica e Plantão Psicológico. Objetivando apoiar e/ou ampliar os grupos comunitários existentes por meio de ações que os reforcem, o programa compõe uma oportunidade de consolidar a atuação da UFPB em prol do favorecimento da autonomia das organizações populares.
A comunidade Maria de Nazaré possui 636 famílias, num ambiente de ocupação, com relevo acidentado e situações precárias de saneamento, urbanização, moradia e saúde. Desde sua origem, na luta pela moradia, constituíram-se grupos combativos, organizados em torno da ACOMAN, que possui diretoria eleita, sede e mantém uma escola comunitária para crianças, oficina de costura (geração de renda), rádio difusora, atividades de grupos de mulheres, adolescentes (rádio, dança e teatro), gestantes, participando também de programas de erradicação de trabalho infantil e alfabetização de adultos. No local também há uma Unidade de Saúde da Família (USF) desde 2003.

Controle Social e participação popular

O histórico das lutas pela participação popular no Brasil demonstra que o direito ao controle social em saúde, instituído desde a Constituição de 1988, foi um dos instrumentos fundamentais na inserção do povo nas atividades de elaboração, acompanhamento e execução das políticas do Sistema Único de Saúde (Ministério da Saúde, 2006).
Pensado como garantia institucional da participação popular na gestão do SUS, o controle social na área de saúde é exercido através das conferências e conselhos de saúde, nas três esferas de governo (federação, estados e municípios). A composição desses conselhos se dá através de representação da sociedade civil, profissionais, gestores e prestadores de serviço. Tais conselhos são responsáveis pela formulação de estratégias e controle da execução da política de saúde, na esfera correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros (CEAP, 2003).
Diversos grupos e representações populares não têm a oportunidade de se mobilizar e conquistar direitos e reivindicações a partir deste empoderamento instituído; ou pela falta de informação sobre as instâncias e os meios de participação política ou pelo conformismo, com o qual, muitos cidadãos agem diante dos problemas de sua realidade. Uma grande parcela da população acredita não poder e não ser parte do processo decisório nas políticas públicas, creditando a participação popular apenas ao voto, deixando toda a responsabilidade entregue às mãos dos governantes (CEAP, 2003).
No entanto, muitos movimentos sociais e organizações populares têm viabilizado estratégias que fomentam o sentido do controle social na realidade de saúde em que estão inseridos.
Instância importante nas lutas e enfrentamentos da Comunidade Maria de Nazaré, a Comissão de Saúde é formada por um grupo de membros da ACOMAN, constituído em 2002, impulsionado pelo movimento para implantação de uma USF dentro da Comunidade, pois as famílias do local não dispunham de acesso adequado ao atendimento em saúde.
A partir de então, os membros da comissão se constituíram como importantes sujeitos na luta por este direito de saúde e encontraram parcerias fundamentais, como a Pastoral de Saúde e o projeto Educação Popular e Atenção à Saúde da Família. Os atores destas três esferas sociais se engajaram em reuniões, pactuações e articulações com instituições e órgãos públicos de saúde. Em 2003, este processo findou com a implantação de uma equipe de saúde da família (ESF) na Comunidade, em caráter mínimo: profissionais de medicina, odontologia, enfermagem, auxiliar de consultório dentário, auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACSs).
No entanto, ainda persistiam problemas sérios referentes à própria implementação da equipe e dificuldades de relação entre os membros da comunidade e os profissionais ali presentes. Outras questões como falta de materiais e pouco reconhecimento da organização comunitária demandaram a continuidade dos encontros da Comissão de Saúde. Desde então, este grupo tem realizado reuniões no espaço da ACOMAN, além de eventuais denúncias via rádio e televisão, ou seja, resultando na coesão de um grupo representativo frente às demandas de saúde do local.
Esse movimento rumo ao controle social fica sujeito também a própria dinâmica desta coletividade, onde as pautas prioritárias se alternam com constância, e os principais ativadores deste grupo acabam se inserindo em outras demandas locais, participando de outros grupos e diferentes iniciativas. Assim, durante o ano de 2005 os espaços de encontro dos membros da Comissão acabaram ficando desprivilegiados, com poucas reuniões e sem uma continuidade capaz de intensificar as ações.

Proposta de fortalecimento da comissão de saúde

Foi em razão destas observações que a ACOMAN, na ocasião do edital do Programa de Apoio à Extensão Universitária voltado às Políticas Públicas (PROEXT) pelo MEC em 2005, solicitou aos responsáveis pela construção da proposta do Programa, uma frente de atuação junto à Comissão de Saúde. A associação percebia, diante do quadro aqui explicitado, a necessidade de momentos de formação, capacitação e aprofundamento com os membros desse grupo, oportunizando maior possibilidade de enfrentamento da comunidade frente à realidade de saúde local.
Dessa maneira, o Curso Comunitário de Saúde tem como objetivo propiciar a discussão e o debate, conducentes à transformação de conceitos e saberes em saúde; contribuir para amadurecimento da responsabilidade social inerente ao estudante em formação, na medida em que oportuniza uma interação dinâmica do mesmo com a realidade sócio-política local; também enseja a possibilidade de consolidar a participação popular na comunidade, em meio às lutas pela saúde, dentro das seguintes temáticas:

• Políticas públicas, direitos de cidadania e luta social;
• Controle social em saúde;
• Agente de saúde e a promoção de saúde.


Metodologia


Orientando sua perspectiva teórico-metodológica na educação popular, a realização deste curso deve formar um espaço de aprofundamento teórico sobre saberes inerentes à saúde, cidadania e luta social.
A educação popular é o ato pedagógico que, segundo Vasconcelos (2001), considera o movimento dos próprios educandos em direção ao 'ser mais', tentando superar as limitações e opressões de suas vidas.

Ela busca trabalhar pedagogicamente o homem e os grupos envolvidos no processo de participação popular, fomentando formas coletivas de aprendizado e investigação, de modo a promover o crescimento da capacidade de análise crítica sobre a realidade e o aperfeiçoamento das estratégias de luta e enfrentamento. É uma estratégia de construção da participação popular no redirecionamento da vida social (VASCONCELOS, 1998).

Este curso é organizado através de um módulo para cada temática. Cada módulo é orientado formalmente numa carga horária de 24 horas, pactuada com os membros do curso, de modo a fornecer um certificado ao final. Os módulos ocorrem durante dois meses, contendo seis aulas, realizadas aos sábados; participação na reunião mensal da ACOMAN e reunião com a ESF local.
O curso é desenvolvido no formato de aulas, utilizando estratégias pedagógicas como palestras, rodas dialogadas de conversa, dinâmicas para compartilhar de experiências, atividades para re-construção do saber, leitura de textos e discussão por meio de produções teórico-artísticas trazidas de acordo com o temário proposto.
São utilizadas como referências orientadoras: acervo pedagógico do cidadão, produzido pelo Ministério da Saúde; bibliografia sobre saúde pública, princípios e diretrizes do SUS, Programa Saúde da Família, controle social, participação popular, e outros que, a partir de um contexto dado, possam com criatividade fornecer um apoio pedagógico consistente durante as aulas.
O PROMAN é o organizador e sistematizador deste curso, co-responsabilizando dois bolsistas, uma extensionista voluntária e uma coordenação-geral na consecução de seus objetivos. A frente pedagógica (temáticas, abordagens metodológicas, ementas) pode ser assumida por convidados, de acordo com a proposta de cada encontro, em diálogo constante com a organização.
Como participantes há membros da Comissão de Saúde, ACOMAN, ESF, moradores da Comunidade Maria de Nazaré e de outras comunidades.
A mobilização de participantes para o Curso ocorreu através de visitas domiciliares aos atuais membros da Comissão de Saúde e demais pessoas, sendo indicadas por participantes dos Projetos e membros da ACOMAN. Confeccionamos uma Ficha de Inscrição e um Convite formal, ambos no intuito de deixarem mais sólidas e concretas as eventuais participações no curso. Primeiramente, convidamos os atuais membros da Comissão de Saúde; todos se mostrando com pouca disponibilidade para freqüentar o curso, mas cientes de sua importância e (em sua maioria) querendo se envolver. Em seguida, convidamos aquelas pessoas da Comunidade que, apesar de nunca ter se envolvido com a dinâmica coletiva, tinham interesse em participar.
Um outro veículo fundamental para mobilização de atores participantes do Curso foi a articulação com as Agentes Comunitárias de Saúde (ACSs). Além de indicarem potenciais participantes que moravam em suas micro-áreas, elas levaram fichas de inscrição para suas visitas. Cabe ainda ressaltar o grande interesse das ACSs em participar do Curso, o que nos despertou para a importância de convidar também membros da equipe de saúde da família; inscreveu-se então o auxiliar de enfermagem. No entanto, não tivemos a oportunidade de convidar os profissionais de medicina, enfermagem e odontologia, em razão da ausência de alguns deles em nossas visitas ao PSF, por licença e férias.
Mesmo depois de nosso primeiro encontro, continuamos a entrega dos convites até a terceira aula, pois avaliamos positivamente esta atitude, sendo de elevada importância para tornar mais concreta à proposta do Curso e compor um elo entre os interessados e a equipe de organização.
Outro ponto importante a ser ressaltado é a contribuição prestada pelos membros da ACOMAN, orientando-nos sobre o jeito de fazer estes convites. Segundo eles, era importante ressaltar o que ia se fazer no curso, a entrega de um certificado ao final e a flexibilidade da carga horária (semanal, com folgas quinzenais a cada dois meses). Ainda destacaram a importância de divulgarmos e realizarmos o curso de maneira bem agradável, com “pelo menos um cafezinho no intervalo”.
A metodologia da educação popular exige certos cuidados capazes de favorecer uma ação que esteja sempre disposta à reflexão, abrindo-se às mudanças e ao novo. É por se tratar de uma atividade educativa em cujos objetivos residem metas como participação popular, autonomia e criticidade que destacamos, dentre tais cuidados, o registro sistemático das ações.
Procedemos com a produção de relatórios que expressassem os aprendizados oportunizados pelas dificuldades, descobertas, mudanças e avaliações no decorrer do curso.
Dessa forma, no transcorrer de cada encontro os facilitadores do curso registram as atividades num Diário de Campo, ferramenta onde situamos no tempo nossas ações, descrevendo-as e fazendo então os destaques necessários.
Outro instrumento utilizado é o relatório de cada aula, onde acumulamos sua metodologia e ementa temática, bem como impressões e avaliações oriundas daquele momento.
Cabe ainda destacar a organização de atas para cada reunião organizativa, permitindo um resgate dos pequenos encaminhamentos e atitudes fundamentais para consecução de toda esta atividade extensionista.
Esse princípio norteador da sistematização se traduz num acervo essencial para percebermos o sentido de nosso caminhar, entre passos e descompassos. Possibilita-se assim uma reflexão realmente crítica sobre esta prática, na medida em que analisamos comparativamente não só o fazer das atividades ao longo do tempo, como nossas impressões e avaliações.


Resultados e discussão


Cumpre ressaltar que os resultados e discussão aqui apresentados se referem ao primeiro módulo do Curso, visto que ainda estão em desenvolvimento os dois módulos restantes. No entanto, a atividade de reflexão sobre a prática e compartilhar de experiência nos parece ainda fundamental e objeto de importantes repercussões sobre a prática da extensão.
O cronograma originalmente proposto na ocasião da aprovação do Programa no PROEXT nos conferia três desafios primordiais: re-animar os atuais membros da comissão para sua participação e envolvimento com o curso; mobilizar novas pessoas a participar da Comissão; contatar professores e técnicos com experiências nos temas propostos no curso, para que assumissem a coordenação pedagógica dos mesmos.

A busca pela coordenação pedagógica do curso

Ao iniciar a busca por parcerias na consecução dos módulos e perceber que nossas referências para coordenação pedagógica iam se configurando difíceis e pouco disponíveis, decidimos aguardar e realizar convites para participações mais pontuais, ficando conosco essa coordenação. Quando o início do curso foi ficando eminente, passamos a ficar mais próximos da organização, à medida que o desafio foi ficando maior.
Este desafio veio da curiosidade em aprender os temas propostos nos módulos do curso; enfim, o desafio de sermos “educadores”. Tentamos desde o início convidar técnicos e professores experientes, evitando deparar-se com a nossa responsabilidade de aprofundamento teórico em controle social e pedagogia. Talvez nossa assunção enquanto educadores neste curso tenha sido um ato consciente; talvez o resultado de uma pressão. Certamente foi uma conjugação destes dois fatores. Aos poucos, nos vimos construindo a ementa do curso e as estratégias educativas das aulas.

Mobilizando os atores sociais para construção do curso

Ao procurarmos mobilizar os atuais membros da Comissão de Saúde para participação no curso, percebemos neles um pouco de desânimo com a luta pela saúde na comunidade. Afinal no ano de 2005 aconteceram duas reuniões com o Distrito Sanitário II, na busca por mudanças na unidade de saúde, que não refletiram em mudanças concretas. Continuava então a distância entre a equipe do PSF e a Comunidade organizada, problemas de atendimento e falta de recursos. Além disso, muitos destes militantes estavam articulados a outras frentes de atuação, como moradia, educação e artesanato, o que os deixava sobrecarregados em função de suas permanentes atribuições na família (muitos pais e mães de família, que também trabalham e estudam).
Diante deste problema, algumas conversas e reuniões pré-curso demonstraram essenciais para a concretização do mesmo. Procuramos membros da ACOMAN, no sentido de conhecer a disponibilidade dos membros da comunidade em participar desta atividade, além de conhecer os principais fatores de interesse que incentivassem a participação no curso.

Primeiras aulas: pactuando o curso e falando sobre SUS

Na nossa primeira aula houve a presença de duas ACSs e do Auxiliar de Enfermagem da USF, de muitos membros da Comissão de Saúde e ainda participação dos moradores da Comunidade que nunca haviam participado da dinâmica política local.
Desde o planejamento da aula, decidimos convidar um dos professores orientadores do Programa para acompanhar a sua execução, tanto para propiciar um maior respaldo a ela, quanto para nos apoiar pedagogicamente e avaliar nosso caminho como educadores. Depois de pactuarmos os aspectos mais organizativos com os participantes, demos seqüência ao encontro com a música “Comportamento geral” de Gonzaguinha. Foi uma oportunidade excelente para fundamentarmos a grande intencionalidade deste Curso em reunir diferentes membros da Comunidade, atribuindo-lhes importância política e embasamento teórico-experiencial para serem ativadores da luta pela saúde.
Enfim avaliamos de modo bastante positivo este primeiro encontro do Curso Comunitário de Saúde. Percebemos que o horário e os dias de encontro foram, a priori, favoráveis e adequados. Observamos também um esforço e comprometimento por grande parte dos participantes, especialmente aqueles sem uma expressiva experiência na organização comunitária.
No nosso segundo encontro procedemos com a construção do conceito de saúde, percebendo que algumas pessoas da Comunidade têm uma percepção de saúde mais ampla e complexa do que muitos professores e estudantes da Universidade. Formamos quatro conceitos, envolvendo fatores como bem-estar, moradia, emprego, psicológico, espiritual, relação familiar, ausência de doença, alimentação, etc. Em relação ao SUS, foi realizado um importante resgate histórico sobre a sua criação, destacando muitos avanços que já ocorreram, apesar de haver tanto por lutar.
Na nossa terceira aula iniciamos ouvindo a música “Admirável Gado Novo” de Zé Ramalho, e discutimos sobre a luta pelos direitos de cidadania a partir das provocações presentes na canção. A partir da vivacidade desses momentos, vimos como os participantes gostam de ser ouvidos e de como podemos realizar discussões riquíssimas dentro do grupo. Outro momento de valorização do saber, vivenciado nesse terceiro encontro, foi a realização de relatos de experiência. Sentimos como o SUS traz histórias, vivências e pontos de transformação no sistema de apoio a saúde, possibilitando fomentar uma melhor percepção de seu processo de desenvolvimento.
Os dois momentos educativos vivenciados na segunda e terceira aulas nos permitiram identificar interesses, curiosidades e demanda por aprendizado dentro do módulo “Políticas públicas de saúde e cidadania”. Percebemos então haver no grupo questionamentos a respeito de princípios e diretrizes do SUS, especificamente na Atenção Básica, provavelmente por este nível de atenção estar tão próximo daquelas pessoas e ser objeto constante da dinâmica comunitária. Dessa maneira, pactuamos com eles centrar a discussão da quarta aula no Programa Saúde da Família. Convidamos um representante do Distrito Sanitário III e uma profissional de saúde da família, ambos ex-integrantes do projeto Educação Popular e Atenção à Saúde da Família.
A discussão desse tema levou o grupo a uma inquietação muito grande quanto ao desafio de ver em prática o plano ideal que o Programa Saúde da Família forma em suas diretrizes funcionais e não se concretiza na realidade. Esse sentimento reforçou a compreensão deste curso como um espaço para fortalecimento da luta social pela saúde, e como um momento que oportuniza compartilhar de experiências que trazem aprendizados essenciais para tornar crítico o comportamento e resposta das pessoas frente à situação de saúde de sua comunidade.
Pudemos perceber que as pessoas precisam participar de modo mais ativo dentro da realidade em que vivem e passar a buscar estratégias mais coletivas e eficazes, que traduzam esperança na mudança e comprometimento com a transformação.
Depois de abordar vários assuntos e observar a grande riqueza de informações do conteúdo passado, na quinta aula sentimos a necessidade em realizar uma oficina para retomar e analisar o assunto discutido. Observamos o interesse de todos em aprender.
Começamos o nosso sexto encontro entregando uma cartilha de princípios do SUS, colhido no site do Ministério da Saúde, e apresentando os convidados: um representante do Distrito Sanitário III e um representante do Centro de Especialização Odontológica (CEO). Iniciamos a programação propriamente dita com uma música de Tom Zé, “Parque industrial”. Depois de ouvirmos a canção, discutimos um pouco sobre ela, que relata o processo de industrialização e suas implicações. Em seguida, foi aberto o espaço para os convidados esclarecerem as dúvidas relacionadas à organização do sistema de saúde e suas dificuldades de funcionamento.
Percebemos a participação assídua de alguns, a timidez de outros, mas nos sentimos estimulados a plantar cada dia mais uma sementinha de ânimo e de luta naqueles moradores da Comunidade Maria de Nazaré.


Algumas reflexões provindas do primeiro módulo

A proposta de dar suporte a Comissão de Saúde da comunidade Maria de Nazaré foi bem mais desafiadora do que se imaginava. Apesar da sugestão ter sido no formato de um curso, cuja tradição reside num método verticalizado onde os “palestrantes” fornecem inúmeras informações acumuladas pelos participantes, este curso se propôs com o auxílio da educação popular a facilitar momentos de troca de aprendizagem entre comunidade, facilitadores, ESF e ACOMAN. Procurando estratégias metodológicas de incentivo a autonomia dos participantes e de embasamento teórico a ser colocado de maneira problematizadora, valorizando o saber individual e contribuindo de forma a enriquecer a vivência de cada um.
Precisávamos envolver não somente a comissão de saúde, mas toda a comunidade e USF. Envolver as pessoas do local, acostumadas com seu cotidiano, muitas vezes sem pensar nas problemáticas da sua própria localidade, foi bastante desafiador; motivá-las a dedicar um espaço do seu tempo para discutir e aprender sobre todas as questões que envolvem a saúde.
A contribuição das ACSs como participantes também tem nos ajudado muito a entender a dinâmica da USF e as dificuldades encontradas. Contudo ainda não conseguimos envolver toda a equipe nesse processo, o que tem nos feito perder grandes oportunidades de crescimento e esclarecimento quanto às questões do programa de saúde da família proposto pelo SUS. Também se perde um espaço de comunicação entre a comunidade e a ESF, que poderia priorizar a demanda de saúde local.
Outro aprendizado importante veio no lidar com participantes do curso que tinham dificuldades de relacionamento entre si, afinal a comunidade apresenta diversos grupos e pensamentos próprios de sua dinâmica e cultura. Em nossos encontros, ficamos receosos com a maneira como reagiríamos e lidaríamos com esses possíveis conflitos ideológicos e políticos, ao reunirmos representatividades comunitárias distintas. Aprendemos a partir de então que as diferenças são essenciais para construção do conhecimento, possibilitando o respeito ao momento de estarmos juntos para aprender uns com os outros.
Sentimos a falta de boa parte das lideranças comunitárias no desenvolvimento das aulas, que no início do curso se mostraram interessadas em participar. Nesse sentido, fizemos o possível para adequar o dia e horário, já que devido às diversas atividades na comunidade e seus afazeres domésticos, estavam com dificuldades.
Uma questão que nos preocupou bastante foi o fato de não termos materiais didáticos suficientes para trabalhar. Afinal, todas as ações e metas propostas se apoiavam na disponibilidade de materiais e equipamentos pedagógico-educativos. No entanto, precisávamos começar o Programa sem este apoio tão essencial, parte de nossas propostas. Tínhamos que convidar os futuros participantes, começar o curso, registrar todos os momentos e ainda dar início às nossas pesquisas. Além de materiais característicos como folhas de papel e lápis, faltaram equipamentos como impressora, máquina fotográfica e aparelho de som.
Frente a mais este desafio, conseguimos responder bem: providenciamos impressão em outros locais, registramos com fotos com aparelhos próprios e utilizamos o som da rádio comunitária. Mas essa foi uma resposta improvisada, que não vai de acordo com os preceitos e responsabilidade do MEC em sua proposta firmada no edital PROEXT.
Estamos cientes da nossa responsabilidade para com a Maria de Nazaré, percebendo este curso como uma oportunidade única dentro da conjunta política da comunidade, tanto em termos de militância e mobilização, como na perspectiva da formação de novas lideranças. Além disso, tem sido uma vivência importante para nossa própria formação enquanto profissionais de saúde e educadores populares, ao lidarmos constantemente com os desafios inerentes ao ato educativo e ao trabalho comunitário.


Conclusões


Considerando o exposto e as particularidades, concluímos que nossa proposta constitui-se em efetiva contribuição da Universidade para o atual quadro de luta pela saúde na comunidade. As estratégias adotadas contribuíram para a ampliação da capacidade de mobilização e participação nos eventos de controle social, através da aglutinação e capacitação dos militantes locais, com pensamentos distintos capazes de construir um ambiente mais favorável ao desenvolvimento social, viabilizado pela participação popular.
Uma comunidade que se integra em prol dos mesmos objetivos adquire consciência de sua capacidade, percebendo que, por meio de ações coletivas, a resolução de problemas que atingem a todos pode ser encontrada com mais facilidade.
Reconhecer a lógica de organização e mobilização da comunidade, bem como os fatores motivadores de seu interesse, foi um dos mais importantes aprendizados desta atividade até aqui. O nosso interesse não é de prestar serviços ou fazer cursos apenas centrados e organizados na disponibilidade acadêmica. Deve haver na verdade um equilíbrio entre as vontades e disponibilidades da Universidade e Comunidade; sem deixar de reconhecer que a prioridade fica com esta, que sabe melhor do que nós, acadêmicos, a realidade, necessidade e modos de pensar daquele povo.
Estamos, em essência, com o sentimento de empolgação. Sentimo-nos saudavelmente desafiados uns aos outros, por ter a oportunidade de re-animar a organização da luta pela saúde na Comunidade com pessoas tão comprometidas; assim como por trazer, para perto da dinâmica local, novas pessoas que podem dar uma contribuição efetiva, em termos de envolvimento e luta pela cidadania.





Referências bibliográficas


BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de saúde. Coletânea de normas para o Controle social no sistema único de saúde. 2º edição, Brasília: Editora do ministério da saúde, 2006.


CEAP.Direito á saúde com controle social. Passo Fundo-RS: Controle social em saúde,2003.


VASCONCELOS, Eymard Mourão. Educação popular como instrumento de reorientação das estratégias de controle das doenças infecciosas e parasitárias. Cad. Saúde Pública, vol.14 suppl.2, 1998, p.39-57.


___.Participação Popular e Educação nos primórdios da saúde pública brasileira, IN, A saúde nas palavras e nos gestos: reflexões da rede educação popular e saúde. São Paulo, Hucitec,2001, p.73-99.